
Governos municipais 2025-2028 na região do Cariri cearense e
as políticas para cultura de tradição popular
REPORTAGEM
06 de março de 2025
20:00
Você já ouviu falar em institucionalização da cultura? Discutir política pública para cultura de tradição popular requer que a gente volte ao século XX e relembre quando os governos começaram a criar órgãos específicos para cultura, como ministérios, secretarias e fundações. Esse processo foi impulsionado por diversos fatores, incluindo o reconhecimento da cultura como patrimônio nacional e a necessidade de políticas públicas para fomentar e valorizar as tradições populares.
Essa institucionalização trouxe benefícios, como: regulamentações, registros, mapeamentos e catalogações, mas também reflete muito nos desafios que vivenciamos na atualidade: a burocratização do acesso aos incentivos, a transmissão do conhecimento mediada por editais e projetos que nem sempre contemplam a essência dessas manifestações e a imposição de formatos que se encaixam nas demandas institucionais, mas que não necessariamente refletem a realidade e a espontaneidade da cultura popular.
O Cariri cearense, composto por 29 municípios, concentra o maior número, entre as regiões do Estado, de mestres e mestras da cultura, titulados pelo Governo do Ceará através da Lei Tesouros Vivos da Cultura, nº 13.842 de 27 de novembro de 2006, voltada para o reconhecimento dos saberes e fazeres dos mestres e mestras da cultura tradicional e popular. Ao todo, no Cariri, são 36** titulações de Tesouros Vivos em exercício.
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Contudo, esse número ainda não representa um valor expressivo das manifestações existentes no território. Em 2019, a Secretaria de Cultura do município de Juazeiro do Norte lançou o Mapeamento do Patrimônio Cultural Imaterial, que constava, dentro da categoria das Formas de Expressão 42 mestres e mestras, 45 grupos mapeados e 338 brincantes (integrantes de lapinha, guerreiro, reisado, maneiro pau, bacamarteiros e bandas cabaçais), mapeados.
Com a posse dos novos governos municipais para o período de 2025-2028, surge a questão: quais serão as políticas implementadas para garantir a permanência e o fortalecimento dessas tradições, proporcionando autonomia e salvaguardando seus saberes?
POLÍTICAS PARA CULTURA
DE TRADIÇÃO POPULAR
*Na última sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025, o Mestre Galdino, mateiro, mezinheiro, artesão escultor, condutor de trilhas ecológicas na Flona Araripe, fez sua passagem.
*Nesta sexta-feira, 07 de março de 2025, a Mestra Margarida, do Guerreiro Sta. Joana D'arc da cidade de Juazeiro do norte, veio a falecer.

Cariri Oeste
O Sala de Mestre analisou os planos de governo municipais disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral e dos 29 municípios, 12 possuem propostas para a cultura de tradição popular, 11 apresentam propostas mistas, ou seja, estão junto de outras áreas de atuação do governo, como educação, esporte e lazer e 6 não possuem. Para análise, foram levados em consideração a citação de palavras e termos como: cultura popular, tradição, mestre, mestra e patrimônio cultural.
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Valorizar ou valorização são as palavras que mais aparecem, seguidas de artesanato ou artesãos, patrimônio cultural, local, manifestações e grupo. Palavras como mestre, tradição, literatura de cordel, reisado, quadrilhas juninas e banda cabaçal aparecem menos de 5 vezes, assim como editais, política, fomento e manutenção aparecem menos de 4 vezes. Questionamos a pesquisadora, brincante e professora da Universidade Federal do Cariri, Vitória Gomes sobre o risco de desaparecimento dessas manifestações:
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Concepção folclorista. Há uma tendência em desvalorizar as manifestações da cultura de tradição popular, tratando-as por uma perspectiva folclorista e sendo reduzidas a atrações turísticas ou datas comemorativas, quando na verdade elas tratam sobre saberes vivos, pessoas que possuem histórias e resistências que narram o desenvolvimento de toda sua comunidade.
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No Cariri Oeste, Antonina do Norte não apresenta propostas para a cultura de tradição popular. Araripe, que funde cultura e turismo nas proposições, cita “Desenvolver ações de apoio como aquelas trazidas nos Projetos da Lei Aldir Blanc e Paulo Gustavo, promovidas pelo Governo Federal com artistas locais e outros órgãos de incentivo à cultura”.
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Para Vitória, dentre as expectativas sobre as políticas culturais que os municípios devem adotar está o fortalecimento dos sistemas municipais de cultura. “Com a volta de um Ministério da Cultura forte e atuante, minha expectativa é que haja um fortalecimento dos sistemas municipais de cultura e das secretarias, que atuem para o repasse de forma justa e equitativa das verbas que vem da PNAB [Política Nacional Aldir Blanc] por exemplo, mas que também avancem para além de uma política editais.”
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Já em Assaré, onde possui três titulações pela Lei Tesouros Vivos, sendo elas: o Mestre Deca Pinheiro, com o Ofício de Penitente, onde seu grupo também é titulado, os Penitentes de Genezaré; e a Mestra Dona Zenilda, na Culinária regional, com a fabricação artesanal de linguiça, fala em “Estruturar feiras e exposições de artesanato e demais atrativos culturais, garantindo cuidado e visibilidade para os artistas”, “Garantir total apoio as festividades culturais religiosas das comunidades do município”, “Apoiar os programas de educação cultural nas escolas” e “Fortalecer parcerias com universidades e instituições culturais para promover projetos no município”.
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Esses dois últimos pontos citados são de cara importância para pensarmos a educação patrimonial e o exercício da cidadania e o pertencimento por parte da população para a preservação da cultura popular. Para isso, a Rede Permanente de Apoio às Mestras e Mestres e Brincantes da Cultura aponta um início de ações conjuntas que envolve diálogo e comprometimento de diferentes instâncias de poder: “Uma via ‘simples’ e possível, dentre outras tantas, seria as instituições públicas (e privadas também) desenvolver programas e projetos com base nos estudos e pesquisas realizadas pela a academia e na escuta dos grupos brincantes sobre seus anseios, necessidades, práticas e sonhos”. ​​
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Acho que a palavra mais adequada, se a gente está pensando essas expressões todas de um modo geral, é que elas não estão em risco de desaparecimento, porque isso seria uma concepção folclorista, mas na verdade elas estão em processo de transformação constante... então acredito que tem algumas expressões que possuem o risco de transformação mais severa do que outras e que muitas vezes essas transformações não são resultado de decisões conscientes ou inconscientes dos seus protagonistas, mas sim, consequências de agenciamentos externos, como forte presença de tecnologias e as mudanças nas relações sociais ou fatores econômicos. Mas de um modo geral percebo entre os detentores de saberes e fazeres um esforço coletivo muito forte em manter suas práticas apesar dos agenciamentos.
Ainda no Oeste, Nova Olinda e Santana do Cariri falam na realização de mapeamentos culturais nos municípios e trazem fortes estreitamentos com o turismo, outro ponto frequentemente associado à cultura que, sem diretrizes adequadas, podem transformar as manifestações culturais em produtos comerciais. Vitória aponta ainda que para equilibrar turismo e tradição, é necessária a normatização estadual e municipal e a capacitação dos detentores dos saberes, garantindo que haja sustentabilidade econômica sem exploração. Em Nova Olinda, temos titulado como Tesouro Vivo, o Mestre Espedito Seleiro, conhecido Brasil afora pelo seu trabalho com couro.
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Salitre apresenta cultura, juventude, esporte e lazer fundidos nas propostas em seu plano de governo. Dentre as ações, destacamos: “Resgatar as Comunidades Quilombolas valorizando, mantendo e estimulando suas produções culturais e econômicas”. O município possui a maior proporção de população quilombola do Ceará: 10,85%.
Em 2024, o Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace), entregou três títulos de domínio à Comunidade Quilombola Sítio Arruda. Duas das três áreas tituladas pelo Estado estão em Salitre; a outra, em Araripe, que não cita a palavra quilombo em todo seu plano de governo municipal.
​Nas cidades de Potengi e Tarrafas, também aparecem mestres titulados. São eles: Mestre Antônio Luiz, do Reisado de Caretas - que possui titulação nas categorias Pessoas naturais em atividade e Grupos em atividade; Mestre Françuli, do Artesanato em Flandres e o Mestre Antônio Rafael, Poeta Popular. Ambos os municípios fundem as propostas em cultura, esporte e lazer.
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Em Potengi, destacamos: “Reintrodução da Cultura nas Praças e Comunidades” e “Expandir o reisado de caretas”. Já Tarrafas, destacamos: “Investimento nas manifestações dos ciclos culturais, como: ciclo do carnaval, da paixão, do junino e do Natal” e “Valorizar e garantir o uso sustentável do meio ambiente, da paisagem e do patrimônio natural, cultural e histórico no processo de desenvolvimento da cidade”, que nos leva à Altaneira.
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No município de Altaneira, dentre as propostas está o resgate da Dança de São Gonçalo, da Dança do Coco e dos Reisados, mas também está a criação de um projeto de Lei para o reconhecimento dos patrimônios imateriais e naturais da cidade. Uma das grandes diferenças dos planos analisados é que poucos apresentam o “como”, em sua maioria diz “Será dado apoio”, “Fortalecer o apoio”, “Valorização dos grupos culturais”, “Fomentar o sentimento de pertencimento”, etc.
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A Rede de Apoio Permanente às Mestras, Mestras e Brincantes da Cultura Popular faz esse questionamento a partir do ponto de vista da preservação:
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Quanto à "preservação" da cultura popular, esse ponto tem sido discutido exaustivamente, e só. Quanto às práticas nesse sentido, bem pouco se vê, haja vista uma discussão antiga e ao mesmo tempo atual, são as condições precárias de subsistência em que se encontram mestras, mestres e brincantes da tradição. No espaço acadêmico a discussão sobre essa problemática é quase sempre em sua maioria consistente e qualitativa, até porque esse ambiente é de investigação e pesquisa, ou seja, fornece dados, indicadores e sugestões para soluções; não há como viabilizar, se não apenas como uma amostragem de experiência exitosa e com recorte. Na nossa atuação como sociedade civil organizada, o entendimento a esse desafio consiste na NÃO atuação efetiva, e porque não dizer AFETIVA, das políticas públicas para esse corpo coletivo marginalizado, periférico e majoritariamente preto das culturas populares.
Crajubar
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As cidades de Juazeiro do Norte e Crato são as que mais possuem titulações de Tesouros Vivos pelo Estado. Barbalha aparece com duas titulações. Para análise, entrevistamos secretários de cultura e turismo dos municípios e questionamos acerca do turismo, economia e educação voltados para a cultura de tradição popular.
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O Plano de Governo da cidade de Barbalha é um dos poucos que a palavra “mestre” é citada, além disso aparece “participação comunitária”, voltada a realização de ações culturais. Em entrevista com o Secretário de Turismo da cidade, Júnior Feitosa, o mesmo traz exemplos de boas práticas para equilibrar o turismo com a preservação das tradições, algumas delas são:
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1. A população local deve ser consultada e envolvida no planejamento turístico;
2. O turismo deve gerar benefícios direto para as comunidades, com a valorização do artesanato, da gastronomia e de outras expressões culturais;
3. Eventos e práticas culturais não devem ser modificadas para atender as demandas turísticas;
4. Incentivar o turismo cultural sustentável, com foco na autenticidade.
“Um exemplo disso, no pau da bandeira, a festa planejada com a população local e oferece oficinas e palestras aos turistas para explicar a história e os valores que envolvem a tradicional festa de Sto. Antônio.”, conta o secretário. A Festa de Santo Antônio na Barbalha é registrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 2015, passando a integrar o Livro de Registro das Celebrações.
​​​Na Barbalha temos titulados como Tesouros Vivos o Mestre Jaime, com o Artesanato de Mosaicos (ladrilhos hidráulicos) e o Grupo de Incelências de Barbalha. A Rede de Mestres afirma que o meio devido para as tradições se consolidarem em modelos de mercados sustentáveis, é se houver respeito e sensibilidade às práticas e saberes de cada mestre e grupo. “Haja vista as peculiaridades existentes em cada manifestação, torna-se fundamental ouvir, registrar e entender os limites simbólicos, espirituais e sagrados de cada tradição, para somente, a partir daí versar sobre a economia propriamente dita”.
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O processo de fomento à participação das comunidades por meio de uma escuta ativa é um desafio em muitos contextos, desde a mobilização, até de fato o desenvolvimento e implantação das discussões políticas e de sobrevivência levantadas por seus agentes. Júnior Feitosa sugere para essa integração: “...a criação de conselhos municipais de cultura ativos, a consulta pública e fóruns comunitários, a descentralização das políticas culturais, plataformas digitais participativas e educação para participação”.
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Já em Crato, destacamos dois pontos do seu plano de Governo: “Criar programas de educação patrimonial e valorização cultural permanentes envolvendo e rede educacional e de outros segmentos” e “Atualizar a cartografia de pontos de cultura do município de Crato, criando roteiros de visitação contemplando os mestres que protagonizam tais pontos de cultura”.
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A cultura é intersetorial e é essencial pensá-la de forma integrada junto às demais secretarias de um governo para sua manutenção. Para Vitória Gomes, o apoio e valorização deve vir através de leis municipais que garantam a transmissão de saberes nas escolas e terreiros, a assistência pelo sistema de saúde do município e a inserção das manifestações no calendário oficial da cidade. Nessa fala, aparecem no mínimo três secretarias para além da cultura.
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Uma das instâncias mais citadas nessa convergência é a educação. Para Fabiana Vieira, Secretária de Cultura de Crato, “...não existe cultura sem educação e visse versa”. Um dos programas implementados pela secretaria na gestão passada foi o Saberes e Fazeres: mestres e mestras na escola. De acordo com Fabiana, o mesmo deve ser continuado. “Os mestres e as mestras estão dentro das escolas, interagindo com as crianças, com os jovens, a gente só valoriza aquilo que a gente conhece, é um grande passo que a Secretaria de Cultura deu na gestão passada e que nessa deve ser fomentada mais ainda”.
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No Crato, temos titulados pelo Governo do Ceará como Tesouros Vivos: Mestre Aldenir, do Reisado Reis de Congo; Mestre Cirilo, no Maneiro-pau, Coco e São Gonçalo; Mestra Zulene, Pastoril, Dança do coco e Maneiro-pau; Mestre Aécio de Zaira, Luteria; Mestra Edite do Coco, Dança do Coco e a Mestra Josenir Lacerda, Literatura de Cordel. Todos na categoria Pessoas Naturais em Atividade. Na última sexta-feira, 28 de fevereiro, o Mestre Galdino, mateiro, mezinheiro, artesão escultor, condutor de trilhas ecológicas na Flona Araripe, fez sua passagem.
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Fabiana também cita os conselhos de políticas públicas municipais como espaço de participação, aconselhamento e também de decisão. “Especificamente para a cultura de tradição, esse setor é mais difícil de participação decisiva, porque ainda existe essa barreira entre a zona rural e urbana, a coisa ainda é muito urbana e é necessário que se rompa isso e que a secretaria da cultura esteja nos territórios, conversando com a comunidade, a secretaria não pode está encerrada em seu prédio, ela tem que chegar onde acontece”, afirma a secretária.
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Em 2014 foi instituída a Política Nacional de Cultura Viva, por meio da Lei Nº 13.018, onde passou a compreender os seguintes instrumentos: Pontos de Cultura, Pontões de Cultura e o Cadastro Nacional de Pontos e Pontões de Cultura. Para Fabiana, é uma possibilidade que vem dando resultado. “Os Pontos de Cultura surgiram nos terreiros dos mestres, esses terreiros são um espaço de convivência cultural, onde se encontra todo tipo de demanda desses territórios”. Para a Rede de Mestres é essencial observar os princípios dessa política, que dá voz a grupos e comunidades que historicamente foram marginalizados.
Juazeiro do Norte é a cidade com maior número de mestras e mestres titulados como Tesouros Vivos na região do Cariri, ao todo são 16. Contudo, como dito anteriormente, em um mapeamento realizado pelo município em 2019, constava, dentro da categoria das Formas de Expressão 42 mestres e mestras, 45 grupos mapeados e 338 brincantes (integrantes de lapinha, guerreiro, reisado, maneiro pau, bacamarteiros e bandas cabaçais), mapeados.
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No Plano de Governo apresentado pela atual gestão é citada a continuidade do Ciclo de Reis e a abertura do Teatro Marquise Branca, onde cita a retomada da Escola de Artes e o oferecimento de oficinas a partir das manifestações culturais presentes no município. A prefeitura tem promovido o Ciclo de Reis de forma oficial desde 2018, conforme registros disponíveis no canal oficial da cidade, com a programação se estendendo anualmente entre dezembro e janeiro.
É importante ressaltar que, nesse ano inicial, a gestão que se encontrava no governo era de um partido de oposição da atual, logo, podemos compreender a realização do programa como uma iniciativa que “sobreviveu” a troca de prefeitos, que tanto prejudica ações em andamento das secretarias.
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Durante o Ciclo, apresentações e atividades culturais acontecem em pontos estratégicos da cidade, como praças, terreiros dos mestres e mestras, ruas e espaços públicos. Até 2022, foi realizado via Organizações da Sociedade Civil (OSC), por meio de editais lançados pelo município. O último investimento registrado nesse formato disponível no site da prefeitura foi de R$ 240.000,00, com cachês de R$ R$ 4.600,00 para grupos maiores, como reisados e bacamarteiros e R$ 3.600,00 para menores, como maneiro-pau, banda cabaçal e coco.
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Roberto Viana, Secretário de Cultura do Município, aponta a necessidade de desconstruir a política de editais, “A política de edital hoje ela é importante, ela foi fundamental para a democratização da arte e da cultura, mas ela também encontra muitos, paradoxalmente, encontra muitos… existe uma resistência, quando se fala em editais porque existe uma burocracia muito grande, os recursos não chegam para a maioria das pessoas, então dissolver essa política, criando, a partir dela, uma outra experiência, também é algo que eu espero que aconteça nos próximos anos, pensando a longo prazo”.
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No Ciclo 2024-2025, foram homenageados mestres e mestras que faleceram ao longo do ano e no final de 2023. Foram 5 perdas significativas, o Mestre Cicinho, do Reisado Manoel Messias; o Mestre Domingos, da Banda Cabaçal Padre Cícero, o Mestre Mosquito do Reisado Nossa Senhora das Dores, a Mestra Tota, da Lapinha Menino Jesus e o Mestre Cachoeira, Palhaço Mateu.
Quando questionado sobre os maiores desafios para a preservação da cultura popular, Roberto nos conta ainda:
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​Juazeiro atrai ainda inúmeros turistas anualmente por sua expressiva produção e comercialização de trabalhos artísticos de coletividades como a Associação dos Artesãos da Mãe das Dores, titulado como Tesouro Vivo pelo Governo do Estado na categoria coletividade, e o Centro de Cultura Popular Mestre Noza. Em 1980, a FUNARTE desenvolveu o Projeto-Piloto de Apoio ao Artesão do Instituto Nacional do Folclore, onde levantou dados sobre o artesanato tradicional, estimulando a comercialização e potencializando a capacidade empreendedora dos artesãos.
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Madeira, palha, argila, tecidos e pedras representam o cotidiano da região do Cariri por meio das festas populares, romarias e manifestações culturais. Sua distribuição acontece em lojas centrais, dentro e fora do município, assim como galerias, casas de decoração, mercados e feiras nacionais e internacionais, onde o preço implicado no produto pode chegar a uma supervalorização de 100% em cima da peça para venda final.
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Para Roberto, o turismo não é algo que desequilibre a tradição ou preservação das tradições, contudo afirma que: “Me incomoda quando existem políticas de turismo que pensam que ‘eu vou naquele lugar e vou comprar uma atração, uma manifestação de cultura’ e eles vão ter que apresentar aquilo quase como se fosse algo automático, instantâneo ou artificial”. O Secretário ainda ressalta a importância de avançar na política de turismo para o campo da vivência e da experiência, para que assim possa atuar de forma eficiente inclusive para a preservação da tradição.
A Educação Patrimonial é uma ferramenta importante não apenas para o ensino de história e cultura, mas também para a construção de cidadania e pertencimento por meio da consciência sobre a necessidade da preservação da memória coletiva. Na entrevista com Roberto Viana, o mesmo citou um texto do historiador Átila Tolentino que se chama: “O que não é Educação Patrimonial: cinco falácias sobre educação patrimonial”. Ele argumenta que é necessário que para além de se contar histórias e datas, sejam abordados os processos de transformação dessas manifestações por meio do diálogo.
Apesar dos debates crescentes em âmbitos acadêmicos e políticos, falta legislação que garanta suporte concreto aos mestres e mestras da cultura popular. Muitos vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica e sem acesso adequado à saúde. Uma solução seria a criação de leis municipais que assegurem assistência e integração desses mestres ao sistema educacional.
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Roberto ressalta ainda a importância da reflexão por parte dos gestores culturais em compreender a cultura para além de uma experiência de arte, mas que envolve costumes e implicações da própria humanidade. “...enquanto temos a cultura majestosa e incrível do reisado, nós temos a cultura do machismo, do patriarcado, da misoginia, e como é que a cultura desse tempo, patriarcal, ela também tá ali, inserida de alguma forma, no reisado?”.
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Quando unimos esse pensamento à interseção junto da educação, o secretário afirma que: “Não basta para os alunos, para as pessoas que estão envolvidas com a educação como professores também conheçam o nome do mestre fulano de tal, mas como é que a história do mestre fulano de tal nos ajuda a pensar uma outra forma de viver o tempo, a experiência no mundo, sabe?”
Uma primeira observação que eu gostaria de fazer é que é impossível preservar, em sua integridade, integralmente, qualquer tipo de experiência cultural. Por que é impossível? Porque as experiências culturais elas mudam no tempo. E é a própria mudança no tempo que torna possível que elas existam em outros tempos… nesse sentido, o poder público, ele se coloca na intermediação nesse lugar de estar entre a experiência e, portanto, os recursos públicos… Então o poder público tem esse desafio, né? De colocar essas questões burocráticas, administrativas, ao mesmo tempo em que isso não se torne imperativo da brincadeira, do saber fazer da cultura popular. Então acho que esse é o nosso desafio principal nesse instante.
Cariri Leste
As festas populares tradicionais, principalmente as de caráter espontâneo e comunitário, têm um valor simbólico profundo. Para a Rede de Mestres, não é compreendido pela gestão pública o potencial turístico, de geração de renda, saúde e fortalecimento das relações da comunidade. “Temos uma riqueza enorme, uma programação que perpassa todo o ano, acontecendo nas casas, terreiros, temos uma quantidade enorme de festas, renovações, celebrações, aniversários”.
Uma das propostas da cidade de Abaiara é a realização de um festival anual de música popular e literatura de cordel no município e a valorização dos grupos culturais existentes no município, como reisados, penitentes e banda cabaçal. Vale ressaltar que não há nenhuma titulação como Tesouro Vivo na cidade. Pelo Instagram da Secretaria de Cultura do município, identificamos uma ação no dia 06 de janeiro com o grupo “Reisado de Abaiara”, já no Mapa Cultural do Ceará, em busca de agentes dentro do município só há o registro de dois, sendo eles uma banda de música e um grupo de teatro.
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Evidenciamos o Mapa Cultural do Estado, pois é uma plataforma que reúne dados de agentes, espaços e projetos culturais, que foi fortemente disseminada nos municípios para o acesso aos editais de cultura durante a pandemia devido à Covid-19. Mesmo com esse trabalho intenso, observamos que os grupos citados no plano de governo de Abaiara, não alcançaram a aplicação.
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A Rede de Mestres destaca como a exclusão de fazedores de cultura de editais e programações culturais, contribui para a violência entre os grupos. “Deveria se fortalecer esses espaços, essas manifestações, muitos desses fazedores da verdadeira cultura são excluídos de editais, programações culturais, de eventos, o que fortalece mais ainda a sombra da violência que vem crescendo no seio da tradição, existem privilegiados que recebem tudo, participam de tudo enquanto existem os excluídos que lutam para sobreviver”.
Em Aurora temos, dentro do plano de governo, cultura e turismo fundidos em uma secretaria. Destacamos entre as propostas: “Continuação, aperfeiçoamento, melhoria e incentivo à participação em editais de incentivo à produção cultural e à preservação da memória e dos patrimônios material e imaterial do município, objetivando descentralização das ações e recursos e a valorização da política cultural em Aurora” e “Criação do Roteiro Cultural do Município - RCM, com o objetivo de promover parceria com os artistas e trabalhadores da cultura, identificar ateliês e localidades históricas importantes para visitação escolar e/ou turística, com o objetivo de incentivar a economia criativa in loco”.
Na cidade, titulado como Tesouro Vivo, temos o Mestre Gil Chagas, no ofício de escultor e luthier, que tem seu trabalho dentro da rota turística do Estado do Ceará.
De acordo com o site da prefeitura municipal, importantes equipamentos culturais ocupam o território, como o Centro Cultural Aldemir Martins e a Casa da Cultura Moacir Soares Pinto, que podem ser instrumentos para a captação de recursos a fim de fomentar as manifestações da cultura de tradição popular.
Barro é uma das cidades do Cariri Leste que não possuem mestres titulados como Tesouro Vivo. Entre as propostas do governo atual estão a valorização das manifestações culturais da cidade, por meio de editais federais, a efetivação do calendário cultural municipal e desenvolver uma legislação de preservação e difusão do patrimônio cultural material e imaterial.
A efetivação de legislações para a cultura de tradição popular é um dos pontos que tem aparecido com maior frequência dentre os planos analisados. Vitória Gomes afirma que: “Não há, no entanto, que eu tenha conhecimento, nenhuma lei municipal que dê assistência necessária para o combate desse problema”. De fato, não temos registros de leis na região do Cariri que abarquem tamanhas complexidades, efetivadas de forma integrada.
Em Brejo Santo, novas proposições aparecem. “Estabelecer um programa de intercâmbio cultural com outras cidades e estados para troca de experiências e valorização da diversidade cultural” e “Incentivar a criação de cooperativas e associações de produtores culturais e criativos para fortalecer a organização de suas produções”, destacamos.
Essas trocas de conhecimentos, experiências e práticas entre os detentores de saberes e jovens, ou mesmo entre mestres de diferentes regiões, têm um impacto significativo no desenvolvimento das tradições. Assim como o incentivo e fortalecimento da organização de suas produções, que como já dito anteriormente, é um desafio, construir um modelo de gestão que respeite a autonomia dessas tradições e ao mesmo tempo possibilite crescimento econômico para as comunidades envolvidas.
Na zona rural de Brejo Santo vive o Mestre Mozinho ou Francisco Graciano, no qual dedica a vida à transformação da madeira em arte, além de pintar telas e cabaças sobre o imaginário brasileiro.
Caririaçu é o único município que cita a palavra folclore em seu plano de governo. As propostas apresentadas são: “Desenvolvimento de atividades e ações de apoio à diversidade cultural local em especial ao folclore” e “Incentivo e divulgação do folclore local através de mostras de dança, teatro, festivais musicais (reisado, banda cabaçal, maneiro pau, festivais de violeiros, quadrilhas juninas), concurso literário, exposição de artes regionais, dentre outros”.
O município não possui mestres titulados como Tesouro Vivo em exercício, contudo, uma das primeiras titulações, ainda em 2006, foi ao Mestre Zé Matias, natural do município, agricultor e um dos mais antigos mestres de reisado da região. O mesmo faleceu em 2015, aos 89 anos, sendo guardião e repassando saberes a muitos mestres que hoje são titulados pelo Governo, como o Mestre Dodô, do Reisado São Francisco, em Juazeiro do Norte.
Farias Brito, Granjeiro, Jati, Penaforte e Porteiras são cidades que não trazem as palavras cultura popular, tradição popular, mestre, mestra, patrimônio cultural ou similares em seus planos de governo. Em Porteiras, temos titulada como Tesouro Vivo a Mestra Maria de Tiê, que é liderança comunitária e mestra responsável por manter viva a Dança do Coco e o Maneiro-Pau na Comunidade Quilombola dos Souza. Além disso, é premiada nacionalmente pelo Prêmio Mestre Lucindo do Edital Sérgio Mamberti e em nível estadual pelo I Prêmio Expressões Culturais Afro-Brasileiras do Ceará.
Várzea Alegre e Mauriti, que não fundem a cultura junto de nenhum outro segmento na construção dos seus planos de governo, são muito breves em suas propostas. “Dar apoio à manutenção dos grupos culturais do município” e “Festivais de cultura popular”, são as únicas ações apresentadas para o campo, respectivamente. Em Mauriti, temos o Mestre Totonho, luthier de violinos, titulado como Tesouro Vivo. De volta ao Mapa Cultural do Ceará, na cidade aparece ainda a Associação Mauritiense de Artesanato - AMA e o Ponto de Cultura Alameda Cultural.
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Já em Várzea, a cidade tem forte relação com a agricultura. Das manifestações características da cidade, podemos citar a produção do pão de arroz e das louceiras, e a Escola de Samba Unidos do Roçado de Dentro, que é considerada a 1ª agremiação rural do Brasil.
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A Rede de Mestres reforça a importância de se estabelecer políticas públicas que vão além da realização de eventos pontuais e que promovam ações de fortalecimento da cultura popular durante todo o ano. Lembra ainda do Programa Kariri Criativo do Ministério da Cultura. “A partir de 2025 teremos o lançamento do Programa Kariri Criativo, sendo este [o Cariri] o primeiro território a ser contemplado no país inteiro com um programa voltado justamente para formação, fomento e valorização da cadeia produtiva local, o que nos faz esperançar por um cenário melhor daqui a quatro anos”.
Em Jardim, o foco está em dar continuidade ao resgate da Festa dos Karetas, promovendo atividades que envolvem brincantes e fazedores de cultura, com o objetivo de aumentar sua visibilidade estadual e nacional. Além disso, o município planeja exposições de artistas locais, como xilogravura, poesias e artesanato. O plano de governo também prevê a coleta e o registro das tradições locais, destacando grupos culturais centenários que são fundamentais para a identidade da cidade.
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Milagres tem se dedicado a dar espaço aos fazedores de cultura em festivais, como o grupo de congos, e planeja a implementação da Casa do Artesão Milagrense. A criação de um calendário cultural anual, que envolva todas as manifestações culturais da cidade e as entidades que zelam pelo patrimônio cultural, também é uma das principais metas da gestão.
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​​​​​​​​​​​​​​​​Em Missão Velha, a cultura é fundida junto ao turismo e a identidade em seu plano de governo. Entre as ações, está a criação da Casa da Cultura e Núcleos Culturais nos distritos rurais, com atividades como aulas de música, pintura e cordel. O município ainda prevê o apoio a práticas culturais como grupos de capoeira, quadrilhas juninas, festas natalinas, reisados e lapinhas.
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A gestão de Lavras da Mangabeira apresenta propostas de valorização da cultura popular por meio de iniciativas que integram gastronomia, arte e história. Destacamos entre as ações a criação do Corredor Gastronômico, que busca criar novas oportunidades de trabalho e proporcionar mais opções de convivência para a comunidade, e com o objetivo de fortalecer a gastronomia local, criar novas oportunidades de trabalho e proporcionar mais opções de convivência para a comunidade. Além disso, o município cria a realização anual de um Festival de Gastronomia, Cultura e Arte e o Festival de Quadrilhas Juninas.
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“Quadrilhas Juninas” é um dos termos que mais aparece nos planos de governo, ao todo, foram levantadas pelo menos 8 inserções dentre as propostas.
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Lavras também se compromete a impulsionar a economia criativa e solidária, com a implantação de um programa municipal focado no fortalecimento desses setores e também em ampliar a política de editais culturais. A cidade que é conhecida pelo “Boqueirão de Lavras”, um cânion formado pelo Rio Salgado, entre paredes de pedra, também apresenta a proposta de construção da Casa de Cultura e Arte do Boqueirão, com a implantação de um programa de revitalização, valorização e preservação do seu patrimônio.
Fala Mestre: expectativas gestão 2025-2028
Mestres e mestras de outros municípios foram contatos, contudo até a data de publicação dessa reportagem não obtivemos retorno. Logo, o quadro "Fala Mestre" será atualizado e desdobrado em outros conteúdos na plataforma.
